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Por que jogos AAA têm defeitos? Conheça o “Monstro do Escopo”

Paulão

08/06/2020 14h00

(Crédito: ©grandfailure – stock.adobe.com)

Todo jogo que existe poderia ser melhor. Uma animação meio podre, um personagem atravessando um pedaço da parede, um atalho de menu que deixaria a vida melhor, um polimento no sistema de combate… sempre há o que fazer!

Só que os jogos precisam ser terminados para chegar ao mercado, e isso significa ter que passar a dura e implacável linha de corte.

Duke Nukem Forever é um game lançado com bugs que desapontaram a crítica e o público após mais de uma década de desenvolvimento

A linha de corte é o momento em que a liderança de um projeto começa a cortar funcionalidades para poder finalizar o desenvolvimento de um game. E isso significa, muitas vezes, ter o próprio coração partido: o desenvolvedor sabe que aquilo que está cortando faria o jogo melhor. Mas não dá tempo. Senão, o time acaba encarando o Monstro do Escopo, uma tradução livre do termo em inglês Feature Creep (Wikipedia, em inglês).

Monstro do Escopo

O Monstro do Escopo ocorre quando o game começa a adicionar ou expandir mais e mais funcionalidades para tentar criar um produto melhor e mais atraente para os jogadores. E não estou falando somente da correção de bugs, mas sim de uma mecânica, uma melhoria técnica que impacta o visual do jogo, ou faz a experiência do jogador ser mais agradável de alguma maneira.

Vou ser sincero: falando como Game Designer, é uma tentação. A gente consegue enxergar como aquela feature vai melhorar o jogo. Como aquilo será divertido. Como o jogador vai falar "Ha! Que legal!" com aquele polimento. "Bora fazer!"

Agora, falando como Produtor Executivo, que tem que colocar o jogo na rua: é um perigo tremendo. É o que faz um jogo estourar o orçamento. Perder a data. Sair cheio de bugs porque não deu tempo de finalizar tudo direitinho. "Corta!" BAN! E o martelo do banimento cai sobre a feature.

O martelo do banimento afasta o Monstro do Escopo

No mundo ideal, o escopo do jogo não muda muito desde a sua concepção até a finalização e lançamento. Acontece que em jogos, como em muitas coisas, nem sempre a teoria se comprova na prática. Às vezes aquela mecânica que parecia incrível fica simplesmente chata. Então é preciso mudar no meio, mesmo.

Como prevenir?

Os melhores remédios que pude verificar para isso até hoje são a prototipação e a adesão a processos produtivos bem marcados. 

Prototipar significa fazer o mínimo para testar se aquela funcionalidade agrega valor o suficiente para investir o tempo e os recursos necessários para fazer ela ficar boa. Se o protótipo for promissor, podemos cogitar dar sequência (mas não obrigatoriamente). Aí vale olhar o que realmente precisa ser feito para a feature atingir seu potencial.

Caso valha perseguir a funcionalidade, é preciso de um pipeline bem bacana: determinando a ordem e a forma como se vai desenvolver, fica fácil de acompanhar o progresso e, eventualmente, puxar o plugue e matar a feature no meio. Um exemplo de pipeline para uma feature de gameplay é:

Documentar -> Prototipar -> Polir o design ->  Adicionar Feedback -> Validar a diversão -> criar e implementar artes -> Validar a compreensão e diversão -> Polir -> Resolver bugs.

Veja que são muitos passos até fechar tudo. E, às vezes, alguns dos passos acabam não sendo executados com a minúcia necessária para entregar algo perfeito. E aí os jogos, do indie feito por uma só pessoa até os AAA, acabam saindo com bugsa e imperfeições. Claro que tem uma série de outros motivos que podem levar a isso, mas o Monstro do Escopo certamente é um dos principais!

Desenvolvedores de games aprendem algumas coisa importantes bem cedo em suas carreiras: 1-) não existe jogo perfeito. 2-) Jogo bom é jogo "shipped", ou seja, jogo publicado. O pior jogo é aquele qe não vê a luz do dia porque não consegue chegar ao fim e nunca será jogado por ninguém.

É importante lembrar que, mesmo imperfeito, já é uma coisa boa aquele seu game existir.

via GIPHY

Sobre o Autor

Paulão é criador e desenvolvedor de games. Fundou e dirige, desde 2012, a Flux Games, estúdio que já trabalhou em diversos jogos - uns mais anônimos, outros mais populares. Como jogador, passou por todas as gerações de consoles, tem um carinho especial por jogos que inventem qualquer coisa inovadora e só precisa de um copo (ou vinte) no boteco para aceitar um debate sem fim sobre os melhores e piores games da história.

Sobre o Blog

Criar jogos é como ser aquele mágico de rua: fazemos o jogador olhar para uma mão, enquanto desenrolamos uma gambiarra maluca aqui na outra - escondendo o trabalho sujo que faz o game rodar e ser divertido. O Blog do Paulão vai abordar segredos e técnicas que a disciplina de desenvolvimento de games utiliza para realizar essas mágicas e deixar os games mais difíceis, assustadores, inesquecíveis, engraçados...