Blog do Paulão http://blogdopaulao.blogosfera.uol.com.br Paulão é criador e desenvolvedor de games. Fri, 03 Jul 2020 13:04:19 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 De Moonwalker a Dandara: como os negros são retratados nos games? http://blogdopaulao.blogosfera.uol.com.br/2020/07/01/de-moonwalker-a-dandara-como-os-negros-sao-retratados-nos-games/ http://blogdopaulao.blogosfera.uol.com.br/2020/07/01/de-moonwalker-a-dandara-como-os-negros-sao-retratados-nos-games/#respond Wed, 01 Jul 2020 12:00:36 +0000 http://blogdopaulao.blogosfera.uol.com.br/?p=307 Olhar para temas cruciais da sociedade, como racismo, é algo imperativo neste e em todos os momentos – e isso inclui games. Para abordar o tema, abro o espaço deste blog para quem tenha lugar de fala. Tainá Felix, produtora cultural e roteirista dos jogos “A Nova Califórnia” e “Amora”, da Game e Arte, assina o importantíssimo texto abaixo, traçando um detalhado histórico da representatividade negra nos jogos de forma precisa e informativa.

Tainá Felix, produtora cultural e roteirista dos jogos “A Nova Califórnia” e “Amora”

Personagens negros nos videogames não são uma novidade. Temos a representação de corpos negros desde os anos 90. Contudo, tal presença é marcada por questões estruturais controversas, que têm a ver com quem cria, quem lucra, e quem está a fim de lacrar na indústria de games.

Eu sou Tainá Felix, uma mulher negra, desenvolvedora independente de jogos e, a convite de Paulo –que cedeu seu espaço para minha voz– gostaria de apresentar uma linha do tempo de personagens negros icônicos, dos jogos triplo AAA aos indies nacionais, traçando algumas reflexões sob o ponto de vista da comunidade negra acerca da produção de games e dos impactos da representatividade para gamers e desenvolvedores.

Michael Jackson Moonwalker (1990) – Sega

Você, que era criança na década de 90 e teve a oportunidade de jogar num Mega Drive, vai se lembrar com saudade daquele barulhinho da “Sega” na abertura do console. Pois bem, nascia nessa época um jogo que era uma homenagem ao rei do pop, “Michael Jackson Moonwalker”, de 1990. Nele, você é Michael, claro, e temos aí um dos primeiros protagonistas negros nos videogames.

O jogo era baseado no filme homônimo de 1988 do ídolo pop e trazia uma gameplay com fases inspiradas em clipes de MJ. Embora tenhamos aqui um exemplo de um protagonista negro, não podemos esquecer que Michael nunca foi símbolo de aceitação de sua identidade para a comunidade negra. E se o símbolo não se refere à causa antirracista, o jogo não gerou impactos de representatividade nos gamers da época.

Jackson “Jax” Briggs (Mortal Kombat 2, 1993) – Midway Games

Jax é um dos personagens jogáveis em Mortal Kombat, você se lembra dele? Pois é, alguns personagens negros foram construídos na década de 90. Contudo, ao meu ver, foram pouquíssimo trabalhados em profundidade. O espaço secundário é uma das características marcantes da presença de corpos negros nos games. Suas histórias são invariavelmente negligenciadas por seus criadores, demonstrando o quanto a construção de negros enquanto sujeitos é reflexo do apagamento de narrativas profundas e complexas também na linguagem dos games.

Tempestade (X-Men vs. Street Fighter, 1996) – Capcom

Seguindo nossa linha do tempo, temos uma das grandes personagens negras femininas dos jogos de luta dos anos 90 e 2000, a X-Men Tempestade. A personagem esteve em praticamente todos os jogos da franquia Marvel dentro dos videogames, e uma das primeiras aparições em “X-Men vs. Street Fighter”, da Capcom, trouxe em 1996 a imagem da mulher negra heroína. Porém, a arte da personagem seguiu a linha sexista de representação de corpos femininos hiperssexualizados, além de uma jogabilidade que muitos jogadores consideravam “apelona”.

Tempestade une nos games um símbolo importante de protagonismo. Contudo, os estereótipos sobrepõem opressões que mulheres negras sofrem todos os dias: a hiperssexualização e objetificação do corpo feminino e o racismo estrutural que nos classifica enquanto mulheres negras raivosas —estereótipo construído no tempo da escravidão pela sociedade estadunidense ao se referir às mulheres negras que não demonstravam uma feminilidade “bela, recatada e do lar”.

Eddy Gordo (Tekken 3, 1997) – Namco

Quase no fim da década, em 1998, temos um dos personagens que carrega o “selo BR”: o capoeirista Eddy Gordo, de Tekken 3, da Namco. Eddy representa não só o homem negro, mas o homem negro brasileiro, dotado de “swing”; com seus golpes de capoeira e com uma história clichê de ex-presidiário.

Recorro aqui à escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, que nos fala em um TED Talk  sobre o perigo da história única, ou seja, sobre não conhecermos uma cultura mais que seus elementos superficiais e construirmos narrativas que refletem um clichê. Logo, uma única visão sobre alguém, alguma cultura ou lugar.

Agora, eu te pergunto: todo homem negro brasileiro sabe jogar capoeira? Todo homem negro tem uma história ligada ao crime? Quando nós, desenvolvedores de game, estamos criando nossos personagens, é de extrema importância que, ao buscar por referências fora do nosso repertório, tratemos com respeito e pesquisa séria um universo ao qual não pertencemos. Resumir o Brasil a carnaval e futebol é um estereótipo que ainda nos gera muitos problemas, você não concorda?

A década de 90 ainda traz outros exemplos curiosos, mas não daríamos conta de mostrar todos por aqui, então, seguiremos aos anos 2000. Essa é uma década que traz possibilidades técnicas mais interessantes para a representação, se levarmos em consideração a simulação de corpos nos games. Porém, não altera a forma como a indústria dos jogos triplo A enxerga e constrói corpos negros.

Carl “CJ” Johnson (GTA: San Andreas, 2004) – Rockstar Games

Uma série que explode no mundo todo com sua jogabilidade ampliada e reverbera a alcunha de bandido aos homens negros é GTA. Sim, vamos falar de GTA, da Rockstar!  Sem entrarmos no mérito da qualidade do jogo em seus muitos aspectos –número de cópias vendidas, inovações de mecânicas, grande equipe, orçamentos e um dos grandes sucessos da indústria de games–, vou me ater ao olhar da representação do homem negro agressivo, do gângster, que só tem destaque e ocupa um lugar de poder se este for pelo viés da criminalidade e da violência.

Assim foram criados os personagens CJ Carl Johnson, no GTA: San Andreas de 2004, Marcus Reed, do GTA True Crimes: New York City de 2005. Ambos reforçam a narrativa preconceituosa do negro afro-americano nascido nos bairros violentos das grandes cidades, membro de gangues ou líder do trafico que só consegue alçar poder e glória através do crime. Em praticamente todas as imagens, quando saem da zona de coadjuvantes, ambos aparecem com armas, o que legitima as narrativas de brutalidade e de que homens negros são agressivos como animais irracionais. Só resolvem seus problemas à base da porrada. É fato que o jogo foi feito para ser uma experiência de violência, contudo, quem faz o papel de bandido é sempre o homem negro.

Marcus Reed (True Crime: New York City, 2005) – Activision

Agora, imagine o impacto no imaginário coletivo de jovens brancos e negros ao jogarem GTA. Os jovens brancos possivelmente seguirão narrando a máxima racista de que o mal é completamente cometido pelos homens negros, os “bandidos” da história. Já os negros, contudo, viverão Marcus Reed ou CJ e, talvez, sintam-se poderosos, talvez sejam líderes do seus grupos. Mas, potencialmente, entenderão que este lugar só poderá ser alcançado com truculência, violência e pelo caminho da criminalidade.

Sheva Alomar (Resident Evil 5, 2009) – Capcom

Em 2009, ainda temos personagens femininas como Sheva Alomar de Resident Evil 5, da Capcom. Este jogo teve um primeiro anúncio conturbado, justamente porque se passa no continente africano e mostrou em seu primeiro trailer o protagonista branco, Chris Redfield, matando inimigos negros em uma aldeia, o que não pegou nada bem.

Alguns críticos, como Gai Croal, editor da Newsweek, disse: “havia um monte de imagens naquele trailer que se encaixavam com o imaginário clássico de racismo”. O que fazia com que Sheva, uma protagonista negra que segue ao lado de Chris nas missões, tenha surgido apenas para abafar a polêmica. Masachika Kawata, uma das produtoras, porém, afirma que a personagem já fazia parte do roteiro desde o início e que eles não poderiam agradar a todos”.

Aveline de Grandpré (Assassin’s Creed Liberation, 2012) – Ubisoft

 

A partir de 2010, temos uma seleção mais complexa da presença negra entre os personagens nos games. Muitos, daqui pra frente, não ocupam mais a posição comum de coadjuvantes superficiais ou estereotipados, o que pode vir a refletir um ponto muito importante na indústria: a possível apropriação cultural que grandes empresas fazem, em alguns casos, ao escolherem ampliar seu público e capital através da incorporação de pautas identitárias. Apesar disso, temos exemplos de personagens mais complexos, como Sazh Katzroy, de Final Fantasy XIII, da Square Enix.

Sazh é um pai que busca salvar o filho. Suas principais características são a gentileza, o bom senso e a moral, bem diferentes das características da década anterior.

O ano de 2012 nos mostra três exemplos de personagens negros interessantes de serem citados: James Heller, de Prototype 2 (Activision), Aveline de Grandpré, de Assassin’s Creed Liberation (Ubisoft), e Lee Everett, de The Walking Dead (Telltale Games). Os três são personagens fortes, têm histórias complexas e protagonizam a ação central do jogo. Essa mudança trouxe impactos de representatividade consideráveis a títulos ou universos tão consagrados como as franquias de Assasin’s Creed e The Walking Dead. Sempre me pergunto se, em se tratando das grandes empresas, o objetivo não seja só o lucro ou o lacre frente à comunidade de novos gamers. Me diz, o que você acha?

O fato é que ser uma mulher negra dev e poder jogar com Aveline já foi um grande avanço.

James Heller (Prototype 2, 2012)  – Activision

Lee Everett (The Walking Dead, 2012) – Telltale Games

Eu poderia seguir falando sobre muitos outros exemplos de jogos triplo A. E, como o fato de serem produzidos majoritariamente por grupos ainda hegemônicos na indústria de games reflete o que se produz. Afinal, como criadores, acabamos por construir dentro e para nossa bolha. Contudo, creio que seja de extrema relevância para essa linha do tempo seguirmos para os jogos independentes.

Ainda em 2012, um estúdio canadense liderado pelo latino-americano Vander Caballero produziu o jogo Papo & Yo, cujo protagonista é um menino negro de nome Quico.

Quico (Papo & Yo, 2012) – Minority Media

Quico é um menino que mora em um ambiente muito semelhante às favelas brasileiras. No jogo, seu objetivo é salvar seu melhor amigo “monster”. Trata-se de um monstro enorme e rosa que (spoiler), em seu arquétipo, reproduz a metáfora de seu pai abusador e alcoólatra. Quico tem a capacidade de transformar o ambiente em um mundo mágico e onírico.

Além de a narrativa fugir dos estereótipos que conhecemos sobre os meninos moradores da favela, a jornada de Quico nos proporciona uma experiência divertida, emocionante, de crescimento pessoal e que supera os clichês da favela e seus moradores.

Dandara (2018) – Long Hat House

Já aqui no Brasil, no ano de 2018, temos o prestigiado Dandara, do estúdio mineiro Long Hat House, publicado pela Raw Fury. Dandara faz uma referência à companheira de Zumbi dos Palmares –herói da resistência negra no período da escravidão no Brasil–, e reflete bastante o potencial da indústria brasileira de games ao escolher pautar as histórias e figuras nacionais como base de suas criações.

Dandara é uma heroína bem construída por seus desenvolvedores: inova em jogabilidade e faz alusão à cultura nacional em vários momentos. Uma das questões que levantamos, enquanto desenvolvedoras de jogos, é a questão do lugar de fala. Trata-se de um conceito amplamente difundido pela filosofa brasileira Djamila Ribeiro, acerca do locus social, ou seja, do caráter coletivo do discurso que constrói as relações de poder. Todos temos lugar de fala, cada qual fala a partir de seu grupo e das vivências que as opressões e oportunidades construíram para ele.

Soares e Andala (Angola Janga: Picada dos sonhos, 2019) – Sue the Real

Neste caso, minha contribuição fica à respeito da possibilidade de que pessoas negras façam parte das equipes de desenvolvimento como consultoras, por exemplo, no caso das equipes não possuírem pessoas negras no time. Chegando ao fim de nossa linha do tempo – lembrando que demos alguns saltos – temos no Brasil o surgimento de estúdios independentes com o foco no desenvolvimento de jogos afro centrados, ou seja, que partem de uma perspectiva não eurocêntrica para contar suas histórias nos games. Refiro a estúdios como o paulistano Sue The Real, da dupla Marcos Vinícius e Raquel Motta, ambos, desenvolvedores negros, que desenvolveram o “Angoja Janga: Picadas dos Sonhos”. Uma proposta baseada no livro Angola Janga : Uma História de Palmares criado por Marcelo D’salete, vencedor do prêmio Jabuti, a mais importante premiação literária do Brasil e o Eisner, maior prêmio de quadrinhos do mundo, com a obra “Cumbe”.

O game apresenta Soares e Andala, dois jovens negros escravizados que fogem do senhor de engenho em busca do Quilombo dos Palmares. A ação principal aqui é a luta de resistência do povo negro em busca de liberdade. Não só a perspectiva da história muda, mas a representação das personagens é criação de jovens desenvolvedores negros, periféricos, o que confere o protagonismo dentro do lugar de fala para esta narrativa.

Árida: Backlands Awaking (2019) – Aoca Game Lab

Outro estúdio que trás um dos grandes lançamentos do cenário independente nacional em 2019 é o Aoca Game Lab da Bahia. Eles são os desenvolvedores 5 do jogo Árida: Backlands Awalking e da continuação Árida: Rise of the Brave, onde temos como protagonista uma mulher negra nordestina, Cícera. Controlando Cícera, você é convidado a sobreviver a seca do sertão com missões cotidianas, auxiliando a comunidade e seguindo a jornada em busca de Canudos.

Os últimos dois exemplos mostram o quanto é importante que, primeiro: a presença de desenvolvedores negros modifica a criação de personagens negros humanizados e, segundo; como essa criação se direciona para um olhar de valorização da nossa cultura enquanto brasileiros e brasileiras.

O que estamos construindo para o desenvolvimento de personagens e narrativas que tragam identificação ao seu público? Afinal de contas, Final Fantasy ou Pokémon são franquias tão incríveis e complexas porque carregam consigo grande parte da cultura japonesa em seu conteúdo. São os japoneses se mostrando para o mundo com as narrativas que afetam seu público, falam de seu povo e de seu cultura.

É certo que a indústria vem criando estratégias e mudando a maneira como representa corpos negros, mas se faz necessário que nos perguntemos:

Quem está criando os jogos? Será que temos uma indústria composta por desenvolvedores diversos, capaz de dar conta da diversidade de nosso povo e de nossas narrativas?

Desejo e trabalho diariamente em nossos jogos e na comunidade independente para que, num futuro breve, tenhamos mais personagens e desenvolvedores pretos. Profissionais, estes, que possam impactar seu público não somente a partir da necessidade de reivindicar seu protagonismo, seu lugar de fala. Estas são algumas das novas perspectivas que ampliarão nossa forma de construir saberes, criar e jogar.

Novos modelos que nos apresentarão ao mundo enquanto cultura, que revelarão uma novo olhar de pertencimento, uma nova cara: a nossa.

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Sobre Tainá Felix: Pós graduada em Gestão Cultural pelo Senac-SP. Bacharel em Comunicação das Artes  do Corpo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP). Produtora cultural e roteirista dos jogos “A Nova Califórnia” e “Amora”, ambas produções da Game e Arte.

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Por que jogos AAA têm defeitos? Conheça o “Monstro do Escopo” http://blogdopaulao.blogosfera.uol.com.br/2020/06/08/por-que-jogos-aaa-tem-defeitos-conheca-o-monstro-do-escopo/ http://blogdopaulao.blogosfera.uol.com.br/2020/06/08/por-que-jogos-aaa-tem-defeitos-conheca-o-monstro-do-escopo/#respond Mon, 08 Jun 2020 17:00:47 +0000 http://blogdopaulao.blogosfera.uol.com.br/?p=298

(Crédito: ©grandfailure – stock.adobe.com)

Todo jogo que existe poderia ser melhor. Uma animação meio podre, um personagem atravessando um pedaço da parede, um atalho de menu que deixaria a vida melhor, um polimento no sistema de combate… sempre há o que fazer!

Só que os jogos precisam ser terminados para chegar ao mercado, e isso significa ter que passar a dura e implacável linha de corte.

Duke Nukem Forever é um game lançado com bugs que desapontaram a crítica e o público após mais de uma década de desenvolvimento

A linha de corte é o momento em que a liderança de um projeto começa a cortar funcionalidades para poder finalizar o desenvolvimento de um game. E isso significa, muitas vezes, ter o próprio coração partido: o desenvolvedor sabe que aquilo que está cortando faria o jogo melhor. Mas não dá tempo. Senão, o time acaba encarando o Monstro do Escopo, uma tradução livre do termo em inglês Feature Creep (Wikipedia, em inglês).

Monstro do Escopo

O Monstro do Escopo ocorre quando o game começa a adicionar ou expandir mais e mais funcionalidades para tentar criar um produto melhor e mais atraente para os jogadores. E não estou falando somente da correção de bugs, mas sim de uma mecânica, uma melhoria técnica que impacta o visual do jogo, ou faz a experiência do jogador ser mais agradável de alguma maneira.

Vou ser sincero: falando como Game Designer, é uma tentação. A gente consegue enxergar como aquela feature vai melhorar o jogo. Como aquilo será divertido. Como o jogador vai falar “Ha! Que legal!” com aquele polimento. “Bora fazer!”

Agora, falando como Produtor Executivo, que tem que colocar o jogo na rua: é um perigo tremendo. É o que faz um jogo estourar o orçamento. Perder a data. Sair cheio de bugs porque não deu tempo de finalizar tudo direitinho. “Corta!” BAN! E o martelo do banimento cai sobre a feature.

O martelo do banimento afasta o Monstro do Escopo

No mundo ideal, o escopo do jogo não muda muito desde a sua concepção até a finalização e lançamento. Acontece que em jogos, como em muitas coisas, nem sempre a teoria se comprova na prática. Às vezes aquela mecânica que parecia incrível fica simplesmente chata. Então é preciso mudar no meio, mesmo.

Como prevenir?

Os melhores remédios que pude verificar para isso até hoje são a prototipação e a adesão a processos produtivos bem marcados. 

Prototipar significa fazer o mínimo para testar se aquela funcionalidade agrega valor o suficiente para investir o tempo e os recursos necessários para fazer ela ficar boa. Se o protótipo for promissor, podemos cogitar dar sequência (mas não obrigatoriamente). Aí vale olhar o que realmente precisa ser feito para a feature atingir seu potencial.

Caso valha perseguir a funcionalidade, é preciso de um pipeline bem bacana: determinando a ordem e a forma como se vai desenvolver, fica fácil de acompanhar o progresso e, eventualmente, puxar o plugue e matar a feature no meio. Um exemplo de pipeline para uma feature de gameplay é:

Documentar -> Prototipar -> Polir o design ->  Adicionar Feedback -> Validar a diversão -> criar e implementar artes -> Validar a compreensão e diversão -> Polir -> Resolver bugs.

Veja que são muitos passos até fechar tudo. E, às vezes, alguns dos passos acabam não sendo executados com a minúcia necessária para entregar algo perfeito. E aí os jogos, do indie feito por uma só pessoa até os AAA, acabam saindo com bugsa e imperfeições. Claro que tem uma série de outros motivos que podem levar a isso, mas o Monstro do Escopo certamente é um dos principais!

Desenvolvedores de games aprendem algumas coisa importantes bem cedo em suas carreiras: 1-) não existe jogo perfeito. 2-) Jogo bom é jogo “shipped”, ou seja, jogo publicado. O pior jogo é aquele qe não vê a luz do dia porque não consegue chegar ao fim e nunca será jogado por ninguém.

É importante lembrar que, mesmo imperfeito, já é uma coisa boa aquele seu game existir.

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Política, pandemia, sobrevivência: Frostpunk é um game obrigatório http://blogdopaulao.blogosfera.uol.com.br/2020/06/01/politica-pandemia-sobrevivencia-frostpunk-e-um-game-obrigatorio/ http://blogdopaulao.blogosfera.uol.com.br/2020/06/01/politica-pandemia-sobrevivencia-frostpunk-e-um-game-obrigatorio/#respond Mon, 01 Jun 2020 17:40:36 +0000 http://blogdopaulao.blogosfera.uol.com.br/?p=277

Tem jogo que mexe com a gente. 

Frostpunk fez isso comigo. E palpito aqui que provavelmente vai mexer com você também, ainda mais porque tem tudo a ver com o que estamos vivendo. Em tempos de Pandemia de Covid-19, este game da talentosa polonesa 11 Bit Studios merece ser jogado imediatamente –seja no PC, no Xbox One (Game Pass), ou no PS4. Ele traz reflexões bastante pertinentes para a nossa atual situação. Embora a ameaça não seja um vírus, mas o frio, inúmeros paralelos do jogo podem ser traçados com nossa atual realidade.

Trata-se é um jogo de sobrevivência que mescla brilhantemente política e escolhas morais com mecânicas de gerenciamento de recursos, e isso que faz dele único e marcante. Em nome de um bem maior, eu tomei decisões bizarras — que vão totalmente contra os meus princípios — para sobreviver. E o pior? Deu certo. 

Frostpunk, da 11 Bit Studios

Frostpunk, da 11 Bit Studios, tras reflexões pertinentes para o estado atual do mundo

Em Frostpunk, você é o líder de um grupo de pessoas que luta para sobreviver a um mundo congelado. Começa uma cidade ao redor de um gerador, capaz de gerar algum calor, inserido em uma cratera no meio da neve. Deve prover comida, moradia, aquecimento, saúde e esperança, além de afastar o descontentamento para não ser deposto.

Os aspectos psicológicos são a marca registrada da 11 Bit (autora do incrível This War of Mine), e é neste aspecto que Frostpunk mais brilha. Conforme você avança no jogo, criará leis para moldar o funcionamento da sociedade que está nascendo. Que tal autorizar trabalho infantil para ocupar as estações de produção de comida? Ou autorizar usar restos dos mortos para acelerar a produção de alimentos? Ou, ainda, criar uma lei que permite às pessoas duelarem até a morte para prover diversão aos outros cidadãos?

Tudo pode parecer estapafúrdio asim solto, mas o contexto hostil do game me fez autorizar diversas dessas práticas na minha sociedade. E essas decisões têm consequências — tanto nas mecânicas do jogo quanto na sua própria consciência. Trabalho infantil, Paulão? Sério mesmo?

Glória à Deus ou Ditadura Militar? 

Em um determinado momento, a coisa fica ainda mais elaborada: surge um grupo de dissidentes de seu governo que começa a causar problemas para a sua administração, aumentando a insatisfação, roubando mantimentos e outras coisas mais. E aí, como lidar? As principais ofertas do jogo são: militarizar sua gestão; ou partir para a religião. Eu pessoalmente não simpatizo com nenhuma das opções. Mas a galera ia morrer de frio e de fome, o caos se espalharia se eu não controlasse o pânico… Bora abrir uma igrejinha.

Frostpunk apresenta escolhas importantes

Frostpunk apresenta escolhas importantes

Muitas horas de jogo depois, terminei minha aventura com saldo positivo: acolhendo muitos refugiados, passamos dos 80 iniciais a 608 sobreviventes. O resultado foi uma sociedade altamente religiosa, com procissões e cultos diários, um pouquinho de violência templária, muitos robôs trabalhando nas minas, tecnologias de próteses para reparar amputações por congelamento, mortos acumulados numa vala comum e utilização de seus restos como adubo; e uma pitada de trabalho infantil – mas tudo bem vai, só nas profissões mais seguras…

Oh, Paulão, o que você fez?

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Games têm obrigação social de entreter na pandemia http://blogdopaulao.blogosfera.uol.com.br/2020/05/26/games-obrigacao-social-entreter-pandemia/ http://blogdopaulao.blogosfera.uol.com.br/2020/05/26/games-obrigacao-social-entreter-pandemia/#respond Tue, 26 May 2020 12:00:03 +0000 http://blogdopaulao.blogosfera.uol.com.br/?p=282

(Foto: Alexander Andrews/Unsplash)

A pandemia da Covid-19 chegou e virou a vida social e profissional das pessoas de cabeça para baixo. Não dá mais para sair: ir ao bar, à festa, ao parque; não tem esporte, para jogar nem assistir. Não tem cinema, teatro, shows. Que fase!

De castigo em casa, todo mundo se voltou para o entretenimento digital. Primeiro, conteúdo audiovisual de streaming — cujo o estoque de filmes, novelas e séries já filmadas pode estar chegando ao fim. Depois, as lives musicais e de celebridades que tentam remendar um buraco, mas têm severas limitações. Ainda tem a literatura, uma arte menos popular atualmente, mas resistente às limitações do isolamento. E aí temos games.

Entre home-offices e faxinas, a indústria de games prospera no caos que se instaurou no mundo: as pessoas estão com mais tempo para jogar; outras estão entediadas de outros entretenimentos e experimentando jogar; e ainda tem as que estão voltando a velhos hábitos que haviam perdido com a vida adulta, mas agora encontram tempo e espaço. Resultado? Indústria em ascensão e recordes de vendas em abril nos EUA.

Por isso tudo, o papel dos jogos na sociedade é hoje maior do que nunca: trata-se de uma forma de cultura que não sofre abalos pelo isolamento — nem em sua produção, nem em seu consumo. E tem a obrigação de fornecer entretenimento para ajudar as pessoas a passarem por essa época conturbada.

(Foto: Kerkez/iStock)

Jogar games já é uma atividade social à distância há mais de 15 anos, graças aos jogos online. Desde os MMOs de PC até os primeiros games de consoles com partidas online, gamers estão acostumados a “encontrarem” seus amigos virtualmente muito antes da fundação do Zoom, em 2011.

E desenvolver games é totalmente viável à distância: o capital é majoritariamente intelectual. Não existe a necessidade de matéria prima física em nenhum ponto da cadeia produtiva (todos jogos podem ser adquiridos digitalmente). Não existe necessidade de cadeia logística de distribuição. E não requer a presença de pessoas umas ao lado das outras para ser criado. Não me surpreenderá empresas de outros ramos do entretenimento iniciarem esforços em desenvolvimento de games a partir desta pandemia.

Porque enquanto houver eletricidade e internet, novos jogos poderão ser produzidos e consumidos.

Isso confere aos games um papel social importantíssimo nessa pandemia: a capacidade de dar uma válvula de escape da realidade é um grande alento às pessoas, que seguem, cada um à sua maneira, encontrando maneiras de lidar com a ruptura brusca que sofremos em nossas vidas diante da Covid-19.

Um bom game é capaz de distrair por horas. Um game bobo pode ajudar na descompressão após um dia difícil. Um game cooperativo pode unir a família. Um game educativo vai distrair as crianças e dar uma trégua aos pais por um tempinho. Um game profundo, como Frostpunk, vai trazer reflexões e “comida para o pensamento”, especialmente para quem não encontra o que consumir.

Nós, desenvolvedores, continuaremos produzindo e lançando jogos, cumprindo, desa forma, o papel sócio-cultural que nos cabe na conjuntura mundial. E espero  de coração que os jogos ajudem cada pessoa a lidar um pouquinho melhor com essers tempos difíceis.

Frostpunk é um game profundo para você digerir durante a pandemia

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Game Magic: Devil May Cry 5 e a diversão nos detalhes http://blogdopaulao.blogosfera.uol.com.br/2019/10/13/game-magic-devil-may-cry-5-e-a-diversao-nos-detalhes/ http://blogdopaulao.blogosfera.uol.com.br/2019/10/13/game-magic-devil-may-cry-5-e-a-diversao-nos-detalhes/#respond Sun, 13 Oct 2019 07:00:46 +0000 http://blogdopaulao.blogosfera.uol.com.br/?p=262

Games servem para muitas coisas, mas a principal delas é, na maior parte das vezes, divertir quem joga. Afinal de contas, ninguém merece usar o escasso tempo livre para algo chatão e entediante, certo? Pois muitas vezes, os jogos esquecem um pouco desse aspecto e se levam a sério demais. Então é bacana ressaltar quando um game faz o contrário: coloca diversão em um lugar inesperado. E um jogaço recente que faz isso é Devil May Cry 5.

O game da Capcom é fantástico em muitos aspectos, mas vou ressaltar uma só: as entradas épicas de Niko no meio das fases. Simplesmente espetaculares.

Niko é a carismática personagem Badass que, embora hipersexualizada (este é um problema para outro post), traz bastante diversão ao game com diálogos divertidos e, acima de tudo, entradas exageradamente triunfais – divertidíssimas.

Desde outras instalações de Devil May Cry, o jogo permite que o player faça upgrades antes da batalha contra o boss da fase, quebrando a tradição geral de reservar o momento de se reforçar para depois da batalha, entre as fases.

Então como colocar a lojinha no meio das fases? Um botão? Uma interface? Nada disso! Devil May Cry 5 faz uma Van aparecer do nada, na porrada, de maneiras absurdamente fantásticas e exageradas. São cutscenes cheias de ação – mantendo o tom do jogo todo – e comentários divertidos.

Essa é uma maneira simples de gerar mais diversão em um momento inesperado do game – algo que desenvolvedores pelo mundo todo podem aprender com este game da Capcom. Veja no vídeo todas as entradas de Niko e divirta-se!

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Bolsonaro mira em cinema, mas dá headshot em games http://blogdopaulao.blogosfera.uol.com.br/2019/09/12/bolsonaro-mira-em-cinema-mas-da-headshot-em-games/ http://blogdopaulao.blogosfera.uol.com.br/2019/09/12/bolsonaro-mira-em-cinema-mas-da-headshot-em-games/#respond Thu, 12 Sep 2019 09:00:30 +0000 http://blogdopaulao.blogosfera.uol.com.br/?p=231 Fátima Meira/Futura Press/Estadão Conteúdo

Crédito: Fátima Meira/Futura Press/Estadão Conteúdo

Jair Bolsonaro está avacalhando o futuro da indústria de games do Brasil – e não tenho sequer certeza de que ele tenha consciência disso.

Ao iniciar uma cruzada contra a Ancine, Agência Nacional do Cinema, órgão que fomenta produções audiovisuais brasileiras, ele acaba dando uma bela porrada na indústria de games porque a Ancine também fomenta games e eventos como o BIG Festival. A decisão de cortar 43% da verba da Agência significa que o plano de investimento recorde de R$ 45,2 milhões somente em games, que tem potencial de transformar para melhor o mercado produtor brasileiro de jogos, não verá a luz do dia. Boom! Headshot.

Amigo dos games só no Twitter

Quando o presidente acenou e fez graça para os gamers brasileiros, há pouquíssimo tempo, não precisava ser Bidu para deduzir que poderia ser mero populismo de mídias sociais. De fato, agora dá para concluir que foi: a redução tributária mudou praticamente nada na vida dos gamers, e mudou zero na vida dos desenvolvedores (aqui dei sugestões de como de fato melhorar o nosso mercado).

Só que, com a caça às bruxas que Bolsonaro prega na Ancine, ele mostra que não se importa absolutamente nada com a Indústria brasileira de games. Pelo contrário, está se esforçando para barrar o progresso conquistado nos últimos anos e atrapalhar o futuro do setor.

Nosso mercado produtor de games ainda engatinha, especialmente se comparado com outros países que trabalham esta indústria há muitas décadas, como Japão, EUA, Canadá; e, salvo algumas exceções, as empresas nacionais ainda precisam de fomentos para criar, produzir e lançar produtos no altamente competitivo mercado de games global. 

Pense como se a Ancine fosse as rodinhas da bicicleta de quem está aprendendo a andar. Daqui a pouco a pessoa (ou, no caso, o estúdio) pega o jeito e sai andando sozinha, dispensando o auxílio. Esta é a função da Ancine para o incipiente e promissor mercado de games.

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Vídeo de alguns meses atrás treinando a pontaria kkkkkk

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Mamar nas tetas

“Mimimi também, vocês querem mamar nas tetas do Estado Mimimi”.

Negativo.

Primeiramente, saiba que o Fundo Setorial do Audiovisual se retro-alimenta: é o consumo em produtos audiovisuais que gera o recurso. Cada filme de herói que você vai ver no cinema gera um dinheirinho para o fundo, que então investe isso em produções nacionais. Ou seja, o setor gera as verbas que o próprio setor utiliza.  

Segundo, incentivos para indústrias criativas ocorrem no mundo inteiro. Você sabia que no Canadá o governo pode pagar até metade do salário de profissionais contratados por empresas privadas que trabalhem em tecnologia e inovação? Pois saiba que games incríveis como FIFA, Assassin’s Creed Odyssey e Don’t Starve, são todos produzidos com incentivos fiscais do Canadá. Sim, EA, Ubisoft e centenas de outras desenvolvedoras “mamam” no governo canadense.

Assassin’s Creed Odyssey foi desenvolvido pelo estúdio da Ubisoft Quebec, no Canadá

Terceiro que dinheiro de fomento é muito importante para alavancar um setor. O Brasil começou muito atrasado a desenvolver games, tendo mais firmeza somente no início desta última década de 2010. São cerca de 30 anos de atraso com relação a EUA e Japão; 20 anos com relação a Canadá, Reino Unido e Coréia do Sul; 10 com relação à Polônia e Finlândia, para citar alguns. O fomento nos permite correr atrás deste prejuízo, colocando produtos no mercado – claro que nem todos serão nota 10 – e aprendendo com as experiências, gerando empregos e levando os estúdios a, cada vez mais, aumentarem a qualidade do que produzem e as receitas de exportação de um Brasil que produza games.

Eu torço para que o presidente desista dessa caça às bruxas sem nexo e sem fundamento que acabou espirrando em games – sei lá eu se conscientemente ou não. Não leva a nada e atrapalha, muito, algo que vinha dando certo.

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Como o game design pode resolver a onda de “pênaltis de mão sem querer” http://blogdopaulao.blogosfera.uol.com.br/2019/08/26/como-o-game-design-pode-resolver-a-onda-de-penaltis-de-mao-sem-querer/ http://blogdopaulao.blogosfera.uol.com.br/2019/08/26/como-o-game-design-pode-resolver-a-onda-de-penaltis-de-mao-sem-querer/#respond Mon, 26 Aug 2019 14:30:16 +0000 http://blogdopaulao.blogosfera.uol.com.br/?p=181

Para quem acompanha o futebol, uma outra paixão deste blogueiro, já está claro que as mudanças de regras da FIFA para pênaltis estão tendo um impacto enorme no jogo: muitas partidas passaram a ser decididas por pênaltis de bola batendo na mão dos defensores. E isso é um grande problema de Game Design.

Sim, utilizando de um conceito do mundo dos games, vou tentar explicar como melhorar o uso da penalidade máxima.

Basicamente, esta nova orientação está quebrando uma regra de ouro do design de jogos: a punição para o erro está exageradamente grande e, por isso, gera frustração. Veja bem, o pênalti é a punição máxima de uma partida pois é uma oportunidade clara de alterar o placar – e, portanto, modificar o estado do jogo. Isso não pode acontecer com tanta frequência e, principalmente, não deve nunca ocorrer sem a devida responsabilidade da parte causadora da mudança.

Minha sugestão é simples e se dá dentro do universo das regras já existentes: o padrão da infração mão na bola dentro da área deve ser falta indireta e cartão; e o pênalti deve ser apontado apenas em um caso específico.

Ficaria assim:

  • Toque não-intencional na área, independentemente da direção da bola: falta indireta e cartão amarelo ao infrator.
  • Toque intencional dentro da área sem a bola ir em direção ao gol: falta indireta e cartão vermelho ao infrator.
  • Toque intencional dentro da área com a bola indo em direção ao gol: pênalti e cartão vermelho ao infrator.

Calma, sem gritar! Explico o raciocínio:

Segundo as regras da FIFA, um pênalti é dado quando uma das infrações de falta ocorre dentro da área adversária. Entre as diversas infrações, como chutar ou derrubar o adversário, está lá a regra sobre mão: “coloca a mão na bola de forma deliberada, exceto pelo goleiro em sua própria área”.

Mas com a nova orentação, iniciada recentemente, a parte que diz “de forma deliberada” foi deixada de lado, e qualquer toque de mão na área virou pênalti – mesmo aquela perto da linha de fundo, em um lance praticamente perdido e completamente sem perigo, ou naquele bate-rebate bagunçado após um cruzamento.

O VAR introduziu tecnologia ao futebol, que ainda se adapta à novidade

Misture essa nova orientação com o árbitro de vídeo, o VAR, e o resultado é uma enxurrada de jogos definidos por pênaltis para lá de polêmicos, que alteram o estado de um jogo em momentos cruciais e de forma demasiadamente punitiva.

Ironicamente, é justamente a existência do VAR que dá à comissão de arbitragem de uma partida a capacidade de interpretar com muito mais autoridade a intenção ou não do atleta ao tocar a mão na bola, o que viabiliza a mudança que proponho neste texto. O VAR pode ser muito útil para essa finalidade, mas não com a regra que temos hoje.

Responsabilidade (Accountability)

Quando projetamos um game e suas regras, uma das coisas mais importantes é que jogadores sempre tenham accountability, ou seja, tenham a percepção de responsabilidade, de autonomia, e a sensação de justiça com o desfecho do que houve na partida como consequência de seus atos e decisões.

Por isso peronagens de jogos online são constantemente rebalanceados (não é desejo de nenhum desenvolvedor que haja personagens Overpowered), e por isso que os desenvolvedores investem tanto tempo ajustando a dificuldade de seus jogos. É a busca por um jogo justo, de mérito.

Games buscam equilíbrio. Menos o Doomfist, do Overwatch. Ele tem uma hitbox mentirosa mesmo.

Com essa nova orientação de dar pênalti para qualquer coisa, a regra do futebol prejudicou a justiça do jogo, bem como entortou o mérito das vitórias, aproximando-o muito da sorte em ocasiões de pênaltis com toques de mão involuntários, que alteram o estado do jogo sem intencionalidade por parte causadora da mudança.

Para balancear uma amenização na punição, utilizamos o outro método de punição severa do futebol: os cartões. Colocar a mão deliberadamente em uma bola que vai em direção ao gol tem uma punição extrema, utilizando os dois recursos punitivos máximos da regra: pênalti e expulsão. Colocar a mão deliberadamente em bola que não vai ao gol tem punição severa: falta perigosa, em dois lances, e expulsão. Já o acidente de trabalho, a bola que bate sem querer no braço ou mão do defensor, tem uma punição mais adequada: falta perigosa e cartão amarelo.

Com isso, imagino que menos jogos seriam decididos por uma regra mal-formulada no design do jogo, e os atletas e torcedores teriam uma sensação de justiça significativamente maior com os resultados dos jogos de seus times.

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Conheça 20 carreiras para trabalhar com Games http://blogdopaulao.blogosfera.uol.com.br/2019/08/12/conheca-20-carreiras-para-trabalhar-com-games/ http://blogdopaulao.blogosfera.uol.com.br/2019/08/12/conheca-20-carreiras-para-trabalhar-com-games/#respond Mon, 12 Aug 2019 10:02:25 +0000 http://blogdopaulao.blogosfera.uol.com.br/?p=154 Getty Images

Trabalhar desenvolvendo games é o sonho de muita gente. E eu concordo: é uma delícia! No entanto, não é o mar de rosas que se pensa por aí: requer muito estudo, ralação, longas horas de trabalho e trabalho de equipe. Neste post, trago de maneira bem resumida para você, leitor/a, quais as principais carreiras para se trabalhar com games.

1-) Game Design

Apesar do nome sugerir associação com arte (por lembrar design gráfico), Game Design é a área que cria as regras do jogo e cuida da experiência do jogador. Por exemplo, o game design básico dos Super Marios tradicionais é que se Mario encosta de lado em um inimigo, Mario morre; se pula na cabeça do inimigo, o inimigo morre. Isso gera toda a mecânica do game, que é desenrolada para outras funções mais elaboradas e divertidas.

Nota do Paulão: Qualquer desenvolvedor/a de jogos deve entender um pouco de Game Design, independentemente da carreira escolhida – assim como, digamos, qualquer engenheiro/a deve saber fazer cálculos avançados ou médico/a deve saber clínica geral.

Shigeru Miyamoto

Shigeru Miyamoto é um dos melhores Game Designers da história. Crédito: New York Times

2-) Arte Geral

Os artistas são quem dá a cara do game. Fazem toda a parte visual do jogo, todas as coisas bonitas que você vê na tela. Artistas gerais, ou generalistas, costumam saber se virar em muitas fuções e estilos. Às vezes, são uma etapa até que a pessoa encontre sua especialização. Às vezes, são um talento maior que permite dirigir equipes variadas.

Nota do Paulão: Todo projeto requer ao menos um artista mais geral que consiga visualizar o que o game será visualmente. Esta pessoa exercerá a função de Direção de Arte no projeto.

Podemos elencar, entre as carreiras de arte, muitas especializações:

Arte conceito do game da HQ Calango, desenvolvido pela Flux Games. Crédito: Divulgação Flux Games

3-) Arte 2D

Aqui entram artistas que fazem conceitos e ilustrações, criam os sprites (frames de animação 2D) de personagens e inimigos, desenham cenários com camadas de profundidade, criam as artes de divulgação dos jogos.

Nota do Paulão: Artistas 2D são importantes em todo projeto, pois mesmo que seja 3D, serão necesárias artes conceito e artes de divulgação.

4-) Animação 2D

Quem faz as coisas se mexerem de forma linda, graciosa, divertida e agradável. Animação é uma arte bastante difícil, e a diferença entre um jogo amador e profissional muitas vezes pode ser percebida neste quesito.

Nota do Paulão: Animação pode fazer ou quebrar um jogo. Quando ela é bem feita, automaticamente o público olha com bons olhos para o produto. Fora que GIFs animados são uma ótima ferramenta de divulgação nas redes sociais.

Dead Cells usa técnicas de animação 2D e 3D ao mesmo tempo. Crédito: Divulgação

5-) Arte 3D

Dentro deste guarda-chuva, temos as subcategorias Modelagem, que é esculpir o modelo 3D no software que faz isso; Texturização, que é pintar aquele modelo 3D com as cores e texturas para ele assumir a sua forma final; Rigging, que é definir os esqueletos e juntas daquele modelo para que possa ser animado posteriormente.

Nota do Paulão: Obviamente, apenas jogos 3D requerem esta função, por isso não há muitos empregos no Brasil, já que muitos estúdios são focados em games 2D.

6-) Animação 3D

Dependendo do gênero de jogo, é vital para o seu sucesso. Jogos de ação e luta dependem da animação para que o Game Design funcione, já que cada golpe deve ter seu momento de preparação, de contato, e de recuperação. Esta função se desenrola até animação facial, para dar expressões aos modelos 3D de alta definição de jogos de maior orçamento

Nota do Paulão: Assim como em animação 2D, pode-se definir o grau de profissionalismo de um game pela animação 3D: deve ser fluida e harmônica, e não travada e lenta.

7-) Arte de Interface (UI)

Arquitetura de páginas/telas, layout das telas, criação de botões, criação da interface de jogo, da heads-up display (as informações que ficam nos cantos da tela durante o gameplay) e tudo mais que for para comunicar informações que o jogo precisa que o/a jogador/a saiba.

Nota do Paulão: Interface deve pensar em dois pilares: o que comunicar e como comunicar. O primeiro ponto é feito junto com Game Design. O segundo, com arte – e as interfaces boas são aquelas que estão sempre vivas, com efeitos e animações. E se aplica a outras áreas, como aplicativos e web.

Dead Space insere a UI em elementos do jogo, como a vida nas costas do player, e as balas no visor da arma. Crédito: Divulgação

8 -) Design de Usabilidade (UX)

Cuidado para não confundir Artista de Interface com Design de Usabilidade! A usabilidade deve zelar por uma boa experiência do/a jogador/a ao longo das telas do jogo – o que se conecta com o que, quais os atalhos que posso usar direto no controle, o que requer navegação, como vamos organizar o conteúdo para a digestão de quem joga.

Nota do Paulão: Esta é uma função difícil de achar no mercado e que se aplica a muitos outros negócios além de games. É uma carreira promissora.

9-) Level Design 

Irmã do Game Design e prima da Arquitetura, essa especialidade é a de quem monta os níveis do jogo. Quem coloca um inimigo aqui ou ali, uma montanha para escalar acolá, um abismo fatal naquele canto. Trabalha muito perto de game design para que as fases levem as mecânicas a serem exploradas ao máximo durante a experiência.

Nota do Paulão: No Brasil, dificilmente abrem vagas de Level Design, e quem absorve este trabalho é a própria área de Game Design. Mas não se iluda:bons game designers não necessariamente são bons level designers, e vice-versa.

Níveis de Super Mario original foram desenhados em papel quadriculado. Crédito: Nintendo/Youtube

10-) Programação

Quem faz essa coisa toda funcionar é a programação. Escrever códigos, sempre maleáveis e parametrizáveis, pois muita coisa muda ao longo da produção do game. As principais linguagens do mercado de jogos são C# e C++, mas no fundo é possível criar jogos com qualquer linguagem – o bom programador consegue aprender a nova linguagem, desde que já tenha em si a estrutura lógica e algorítmica para programar games.

Nota do Paulão: Programação serve para uma infinidade de áreas, e programar games tem desafios bem específicos, pois os jogadores/as adoooooram quebrar o sistema do jogo, coisa que é muito mais difícil de fazer em um software de trabalho, por exemplo.

11-) Programação de Redes

Uma especialidade mais específica, focada em jogos com funções online – que a cada ano se tornam mais padrão. Banco de dados, backend, todas as conexões. Caso seja um jogo veloz com multplayer em tempo real, prepare-se para estudar programação determinística. O que é isso? Dá um Google. Spoiler: é complicado!

Nota do Paulão: Esta é uma das funções mais raras e bem-remuneradas do mercado global de jogos. No Brasil, entretanto, não há tanta demanda enquanto a maioria de nossos games ainda não sejam tão grandes em escopo. 

Códigos, códigos, códigos. Crédito: GIPHY

12-) Technical Artist

Entre os artistas, que fazem o visual, e os programadores, que fazem funcionar, existe um pequeno abismo. Este vão é ocupado por Artistas Técnicos/as, que são profissionais que são bons na parte estética, mas sabem programar funções e scripts básicos para dar vida às criações. Criam Shaders, programam comportamentos estéticos. Esta função implementa muita coisa dentro do game, salvando tempo para a programação desenvolver o código das mecânicas e sistemas.

Nota do Paulão: Embora seja uma função super específica, um projeto que conta com Tech Artists de alto nível, via de regra, tem resultados estéticos superiores. 

13-) Artista de Efeitos Visuais (VFX Artist)

Esta categoria está separada pois uma pessoa boa em efeitos visuais não necessariamente é boa nas outras funções artísticas já citadas. É alguém que cria efeitos, como fumaças, rastros, explosões, fogo, trovão, magias, jorros de sangue, água ou outros líquidos e assim por diante.

Nota do Paulão: Um bom efeito visual faz uma ação do jogador ser satisfatória por si só. Nçao menospreze o valor dos VFX!

Zelda Breath of The Wild abusa de efeitos lindos. Crédito: Divulgação

14-) Audio Designer / Artista de SFX / Compositor

Misturei três funções aqui porque no Brasil, muitas vezes, a mesma pessoa faz o Design de Áudio e executa os Efeitos Sonoros e Trilhas sonoras. Audio Designer é quem projeta o som do jogo, responsável por pensar em todos os efeitos sonoros que o game terá, quais as músicas que haverá e quando elas entrarão (junto com Game Designer), que feedbacks sonoros o game terá, e assim por diante.

Nota do Paulão: Design de áudio não é necessariamente quem faz os sons, mas quem projeta onde eles devem entrar. Pode ser absorvida por Game Design em uma equipe pequena, mas não deve ser uma função negligenciada.

15-) Design de Narrativa / Escritor/a

Coloco estas duas funções juntas pois em jogos de pequeno e médio porte, como os criados no Brasil, dificilmente haverá distinção. Esta é a carreira que cuida das histórias e dos textos dos games: define o que vai ser contado e como vai ser contado.

Nota do Paulão: Nem todo jogo requer uma boa narrativa, mas se a narrativa é importante para o jogo, melhor buscar profissionais especialistas.

16-) QA (Quality Assurance) / Testes

Que lindo, vão me pagar para ficar jogando!“. Caaaalma que não é essa alegria: imagine jogar a mesma fase do mesmo jogo por 30 horas procurando os defeitos dela. É por aí que a coisa se desenrola! QA é responsável por conferir se as funções estão de acordo com o planejado, seja no nível técnico, artístico, de experiência, de compreensão, e, claro, de diversão.

Nota do Paulão: Esta é a principal porta de entrada da indústria: testar jogos para encontrar defeitos técnicos e de qualidade é um passo importante para entender como os games funcionam por dentro.

QA zela pela qualidade e funcionamento do game

17-) Produção

Produção, em games, se assemelha muito a Gerente de Projetos em outras áreas. É quem cuida de cronogramas, metas, eficiência, quebra barreiras e resolve os impedimentos que o time encontra ao longo do desenvolvimento de um game. Deve entender um pouco (ou muito) de cada área para não ser enrolado pelo time e manter o projeto nos trilhos.

Nota do Paulão: Produção é mais difícil do que parece, e é uma área bastante maleável pensando em economia criativa. Faltam producers no mercado! #ficaadica

18-) Dono de Produto (Product Owner)

Função específica da metodologia Scrum, o dono de produto é quem tem a visão do game e que aprova ou reprova tudo o que é feito pelo time, mantendo o projeto dentro de sua visão única.

Nota do Paulão: Esta função pode ser exercida por uma pessoa que acumule outras no projeto, mas não recomendo que seja Producer e nem Game Designer.

19-) Marketing

Cuida da divulgação do jogo e da aquisição de usuários para jogar o game. Em jogos, a divulgação é muito focada em marketing digital e de conteúdo, já que quase tudo do universo de games ocorre na internet. Mas não estou falando de Social Media, e sim de Marketing mesmo, pensando em vendas e no produto em si. Não vamos confundir!

Nota do Paulão: Falta gente de marketing em games. Falta demais. #ficaadica2

20-) Direção Executiva

Alguém precisa arrumar dinheiro para fazer os jogos! A função de direção executiva é ligada a criar, desenvolver e fechar negócios dentro da indústria, criando modelos de negócio, produtos, abordagens, frequentando eventos e desenvolvendo relações com empresas de jogos do mundo inteiro.

Nota do Paulão: Levantar dinheiro para fazer jogos é extremamente difícil, uma vez que é um mercado percebido com altíssimo potencial, porém alto risco. Prepare-se para tomar muito “não” até conseguir seus “sim”

Mais Informações

Quer saber mais? Recomendo assistir a esta série sobre carreiras de Games do excelente canal Extra Credits, no Youtube.

Espero que este post tenha sido útil para você que vislumbra uma carreira no setor de games! Ajudou? Sentiou falta de algo? Discorda de algo? Escreva aqui nos comentários!

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Zerar impostos de consumo é só primeiro passo para jogos nacionais http://blogdopaulao.blogosfera.uol.com.br/2019/08/09/corte-impostos-games-nao-ajuda-desenvolvedores-brasileiros/ http://blogdopaulao.blogosfera.uol.com.br/2019/08/09/corte-impostos-games-nao-ajuda-desenvolvedores-brasileiros/#respond Fri, 09 Aug 2019 10:00:13 +0000 http://blogdopaulao.blogosfera.uol.com.br/?p=172

Xbox One, Playstation 4, e Nintendo Switch. Consoles da Microsoft e Sony se beneficiarão. Crédito: Green Prophet

A proposta de isenção de impostos sobre consoles e jogos eletrônicos aprovada pela CCJ é definitivamente positiva para o jogador e pode potencialmente gerar impactos legais nos números do Brasil enquanto mercado consumidor, mas sozinha ainda é insuficiente para ter impacto transformador no setor de Desenvolvimento de Games do Brasil.

A história, que ganhou força nas últimas semanas seguindo o agenda setting presidencial, não é assunto novo – é um projeto de emenda tramitando desde 2017, quando ainda estávamos no governo federal anterior. A Proposta de Emenda Constitucional 51 de 2017 propõe zerar os impostos para consoles e jogos fabricados no Brasil. Mas é preciso uma visão mais técnica do tema, que ainda não existe na proposta atual. Pois isso tudo só ajudará os estúdios daqui de verdade se:

1) Valer para jogos digitais, o que ainda não está claro se valerá ou não;
2-) Valer para vendas em outros territórios que não o Brasil (exportação), o que também não está claro;
3) For o primeiro passo de uma política pública abrangente e estruturada para o setor.

Por quê?

Primeiro, porque o setor de games é basicamente exportador. Por um lado, pode-se prever que, dependendo do texto exato que se aprovar, vai aumentar o faturamento líquido de quem vende bastante no país – o que pode gerar um ciclo virtuoso com empresas se de fora se interessando em instalar operações aqui para desfrutar de benefícios fiscais e criar cooperações com empresas brasileiras dependendo de como exatamente tal benefício funcionar. Por outro lado, as vendas no Brasil dos jogos feitos por brasileiros são, via de regra, pouco relevantes para os estúdios nacionais do ponto de vista de negócios, representando menos de 5% para quase todos os estúdios com quem já conversei ao longo da carreira.

“Queremos aumentar a capacidade produtiva do mercado nacional de videogames, com o incremento do emprego, dos lucros e também da arrecadação, já que as contribuições sobre a receita bruta continuarão incidindo normalmente sobre o setor”, notou o Senador Telmário Mota (PROS-RR), relator da PEC, segundo consta no Senado. O discurso está bacana, mas a ação precisa ser ajustada: não é apenas zerando impostos que o emprego na indústria de games vai crescer.

Dependendo de como ficar o texto final, se aprovada, essa isenção vai ajudar Sony, Microsoft, Razer, Asus, Activision, Ubisoft, EA e outras multinacionais estrangeiras (quem sabe a Nintendo volta?) a prosperarem com as vendas em território nacional com preços menores para o consumidor e margens melhores para si. Mas para ajudar o setor produtivo nacional exportador a se desenvolver, como o Senador e eu desejamos, é preciso criar políticas públicas para fomentar o desenvolvimento de nossos estúdios, que são quem gera os empregos da indústria produtora e cria as propriedades intelectuais com potencial de ganhar o mundo.

O que fazer, então?

Para criar uma política pública que auxilie o setor de games nacional a se desenvolver de verdade e competir internacionalmente é preciso mexer em outras coisas. Não sou cientista político, perito em administração pública e nem conhecedor aprofundado do tema, mas com o aprendizado ao longo dos anos de trabalho no mercado consigo elencar algumas possibilidades:

  • Inserir jogos na Lei do Audiovisual
  • Criar um CNAE específico para games que possa ter seu imposto reduzido ou isentado.
  • Alternativamente, reduzir ou isentar impostos que incidem em notas fiscais de “Desenvolvimento de Software Customizável ou Não Customizavel”, que ultrapassam 16% na soma dos tributos (Isso porque não incide ICMS!), e é o tipo de nota que muitos estúdios emitem no dia-a-dia.
  • Retirar jogos do Anexo V do Simples Federal e colocar em uma categoria mais amena, como o Anexo III (Caso a isenção não se aplique a isso).
  • Criar MEI (Micro Empresa Individual) para desenvolvedores de jogos.
  • Incentivos fiscais para contratação e retenção de talentos, como fazem no Canadá, Irlanda e outros países fortes em desenvolvimento de jogos eletrônicos.
  • Acordos para eliminar bi-tributação com outros países, especialmente EUA, de onde vêm muitas das receitas de vendas nas lojas online como Steam, Microsoft Store, Playstation Store, Apple App Store.
  • Políticas de incentivo ao desenvolvimento de capital intelectual e economia criativa.
  • Mais Editais de desenvolvimento de produtos – para os quais os papéis da Ancine, recentemente ameaçada pelo Governo Federal, e do Fundo do Audiovisual são  fundamentais.
  • Criação de pólos de desenvolvimento com auxílio governamental.
  • Incentivos fiscais na aquisição de equipamentos e softwares de desenvolvimento.
  • Acesso a créditos empresariais sem garantias com taxas de juros amigáveis
  • Subsídios e Benefícios específicos para exportação, já que desenvolvimento de games é uma área inerentemente exportadora.
  • Investimento em educação e profissionalização do setor com cursos de alto nível em instituições públicas.

Em 2017, desenvovlimento de games gerou mais de R$ 10 bilhões ao PIB do Canadá. Fonte: ESA

Então, sim, é bacana diminuir o preço dos consoles, acessórios e jogos produzidos aqui, é um movimento muito positivo e na direção certa para a nossa indústria. Só que ,sozinha, esta proposta não está mirando no lugar certo para ajudar os estúdios: se queremos incentivar a nossa indústria de verdade e aumentar a arrecadação do governo significativamente, pensando em exportação e outras fontes, não basta uma medida paliativa apenas para baixar o preço do PlayStation 4. É preciso criar uma política pública estruturada para o setor.

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Justiça com o próprio game: como os estúdios ajustam a dificuldade http://blogdopaulao.blogosfera.uol.com.br/2019/08/05/justica-com-o-proprio-game-como-estudios-balanceiam-a-dificuldade/ http://blogdopaulao.blogosfera.uol.com.br/2019/08/05/justica-com-o-proprio-game-como-estudios-balanceiam-a-dificuldade/#respond Mon, 05 Aug 2019 20:00:35 +0000 http://blogdopaulao.blogosfera.uol.com.br/?p=139

Vira e mexe um game difícil como Sekiro chega para levantar de novo a velha polêmica da dificuldade dos games. “Os jogos de hoje são muito fáceis”, dizem uns. “Jogos difíceis deviam ser enterrados no Nintendinho”, dizem outros. Para que você entenda um pouco melhor como os desenvolvedores lidam com essa questão, fui conversar com alguns dos principais Game Designers do Brasil para fazer a mesma pergunta: como você balanceia a dificuldade do seu jogo para ela ficar ideal?

A resposta começa por entender o que representa o desafio de um game nos dias de hoje. “Conflito é parte fundamental do que eu entendo como ‘jogos clássicos’, mas a ideia do que é dificuldade e a expectativa que as pessoas têm de videogames modernos nesse quesito é muito diversa, muito marcada por cultura, gênero do jogo etc.”, conta Mark Venturelli, da Rogue Snail, um dos melhores e mais bem sucedidos Game Designers do Brasil, com jogos como “Relic Hunters Legends”, “Chroma Squad” e “Dungeonland” no currículo.

Relic Hunters Legend, game online da Rogue Snail

“A minha abordagem tem sido de oferecer muitas opções para o jogador, momento-a-momento. Tento fazer com que o jogador decida o quanto quer se desafiar naquela sessão de jogo, então preciso oferecer uma variedade de atividades e objetivos – essa é a minha lente de ‘diversidade de desafio'”, observa.

Público-Alvo

Ou seja, depende muito de para quem o jogo é feito. Eu mesmo já participei da criação de jogos muito diferentes ao longo de minha carreira na Flux Games, e para cada um, é necessário fazer o exercício de definir: “Quem é meu público-alvo?”. A pergunta pode parecer vinda dos melhores livros de marketing, mas faz toda a diferença na hora de projetar um game. Não é à toa que você morre mais vezes nos primeiros 15 minutos de “Dark Souls” do que em 10 horas de “Super Mario Odissey“.

Você morreu.

Mas como assegurar que o game esteja adequado para o desafio que agrade seu público-alvo? “Uma vez que o game feel (sensação de jogo) esteja como eu quero, eu começo a afunilar quais são as variáveis mais comuns entre as partes que quero balancear. Quanto menos variáveis melhor, pois significa que é possível ter um controle maior das mudanças no balanceamento”, explica Luis Gustavo Sampaio, Game Designer da Mad Mimic, criadora dos games “No Heroes Here”, “Mônica e a Guarda dos Coelhos” e o vindouro “Dandy Ace”.

Como ter dificuldade justa?

Eu crio relações qualitativas e comparativas entre os parâmetros. Por exemplo: se o dano de uma habilidade é alto, tentarei aumentar o seu cooldown ou casting time para se equivaler a outra, mas sempre priorizando o game feel”, detalha Luis Gustavo.

Mais um exemplo prático: “Suponha que eu quero que, em uma dada situação, o jogador tenha que jogar muito bem para conseguir passar. Eu então tento pensar quais são os recursos do jogador (vida, consumíveis, mana, etc) e como esses recursos ficarão após este evento. Se é para ser muito difícil, um jogador que cometer erros deverá ficar com metade da vida”, completa Luis Gustavo. Usando este método, ele passa a determinar objetivos macro para partes da experiência, e mexe no level design, nos inimigos, nos recursos disponíveis para alcançar o resultado esperado.

Hora de testar!

Um jogo tem muitos momentos em sua jornada de desenvolvimento, e na maior parte deles a dificuldade está desequilibrada: ou muito fácil, ou muito difícil. Vá por mim: é quase impossível um jogo nascer com o desafio adequado logo na primeira tentativa. E a chave para acertar os ponteiros é fazer testes, especialmente com jogadores finais que representam o público-alvo do game.

“Eu tento sempre assistir a pessoas jogando, especialmente pessoas que nunca jogaram o jogo e que tem o nível de habilidade que eu estou pensando como público alvo”, conta Thaís Weiller, Game Designer da JoyMasher e vizinha de blog aqui no START, que lançou o excelente “Blazing Chrome” e já desenvolveu os jogos “Oniken” e “Odallus”, todos de dificuldade nível Nintendinho.

 

Blazing Chrome

Blazing Chrome: Game lançado pela JoyMasher em julho de 2019

Mas não adianta ficar dando pitaco e falando na orelha do jogador faz isso ou pega aquilo. “Enquanto vejo jogar, tento não interagir em nada e nem dar dicas ou coisas do gênero – a não ser que realmente esteja faltando algo que já está planejado”, complementa Thaís. “Ver como a pessoa joga, o tempo que ela demora para entender alguma coisa, a dificuldade que ela tem em cada parte é minha principal métrica de se o level design está próximo do que eu gostaria que fosse”.

Aprender, Praticar, Provar

Conforme o jogador entende uma parte ou uma mecânica do jogo, ele evolui no que Venturelli, da Rogue Snail, chama de Jornada do Jogador. “Eu tento criar na minha cabeça uma sequência de coisas que eu quero que o jogador aprenda, desde o momento em que ele vê o jogo pela primeira vez até ele estar pronto para completar os desafios finais que eu criei”, observa.

Sekiro, game cuja dificuldade incomodou parcela de jogadores

Então, balancear a dificuldade significa lidar com as etapas que compõem cada elemento dessa Jornada: “É importante para cada coisa que eu quero ‘ensinar’ existam três ‘tempos’: um tempo para aprender, um tempo para praticar, e um tempo para colocar o seu aprendizado e prática à prova. Pra mim, essa jornada é o coração do design. Um jogo que não tem mais nada a ensinar para o jogador, na minha concepção, está concluído.”

Pode reparar no próximo game que você jogar como este ciclo de Aprender, normalmente em um ambiente seguro, Praticar, em ambientes com dificuldade progressiva, e Provar, em um desafio alto que leva sua habilidade com aquela mecânica no limite, é algo super comum em muitos dos jogos – seja no “Sekiro”, seja no “Zelda”, mesmo que em níveis de exigência diferentes. E cada um tem o seu próprio charme.

Remake da primeira fase do primeiro Mario leva a dificuldade ao nível Quebrar o Controle

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