Topo

Histórico

Zerar impostos de consumo é só primeiro passo para jogos nacionais

Paulão

09/08/2019 07h00

Xbox One, Playstation 4, e Nintendo Switch. Consoles da Microsoft e Sony se beneficiarão. Crédito: Green Prophet

A proposta de isenção de impostos sobre consoles e jogos eletrônicos aprovada pela CCJ é definitivamente positiva para o jogador e pode potencialmente gerar impactos legais nos números do Brasil enquanto mercado consumidor, mas sozinha ainda é insuficiente para ter impacto transformador no setor de Desenvolvimento de Games do Brasil.

A história, que ganhou força nas últimas semanas seguindo o agenda setting presidencial, não é assunto novo – é um projeto de emenda tramitando desde 2017, quando ainda estávamos no governo federal anterior. A Proposta de Emenda Constitucional 51 de 2017 propõe zerar os impostos para consoles e jogos fabricados no Brasil. Mas é preciso uma visão mais técnica do tema, que ainda não existe na proposta atual. Pois isso tudo só ajudará os estúdios daqui de verdade se:

1) Valer para jogos digitais, o que ainda não está claro se valerá ou não;
2-) Valer para vendas em outros territórios que não o Brasil (exportação), o que também não está claro;
3) For o primeiro passo de uma política pública abrangente e estruturada para o setor.

Por quê?

Primeiro, porque o setor de games é basicamente exportador. Por um lado, pode-se prever que, dependendo do texto exato que se aprovar, vai aumentar o faturamento líquido de quem vende bastante no país – o que pode gerar um ciclo virtuoso com empresas se de fora se interessando em instalar operações aqui para desfrutar de benefícios fiscais e criar cooperações com empresas brasileiras dependendo de como exatamente tal benefício funcionar. Por outro lado, as vendas no Brasil dos jogos feitos por brasileiros são, via de regra, pouco relevantes para os estúdios nacionais do ponto de vista de negócios, representando menos de 5% para quase todos os estúdios com quem já conversei ao longo da carreira.

"Queremos aumentar a capacidade produtiva do mercado nacional de videogames, com o incremento do emprego, dos lucros e também da arrecadação, já que as contribuições sobre a receita bruta continuarão incidindo normalmente sobre o setor", notou o Senador Telmário Mota (PROS-RR), relator da PEC, segundo consta no Senado. O discurso está bacana, mas a ação precisa ser ajustada: não é apenas zerando impostos que o emprego na indústria de games vai crescer.

Dependendo de como ficar o texto final, se aprovada, essa isenção vai ajudar Sony, Microsoft, Razer, Asus, Activision, Ubisoft, EA e outras multinacionais estrangeiras (quem sabe a Nintendo volta?) a prosperarem com as vendas em território nacional com preços menores para o consumidor e margens melhores para si. Mas para ajudar o setor produtivo nacional exportador a se desenvolver, como o Senador e eu desejamos, é preciso criar políticas públicas para fomentar o desenvolvimento de nossos estúdios, que são quem gera os empregos da indústria produtora e cria as propriedades intelectuais com potencial de ganhar o mundo.

O que fazer, então?

Para criar uma política pública que auxilie o setor de games nacional a se desenvolver de verdade e competir internacionalmente é preciso mexer em outras coisas. Não sou cientista político, perito em administração pública e nem conhecedor aprofundado do tema, mas com o aprendizado ao longo dos anos de trabalho no mercado consigo elencar algumas possibilidades:

  • Inserir jogos na Lei do Audiovisual
  • Criar um CNAE específico para games que possa ter seu imposto reduzido ou isentado.
  • Alternativamente, reduzir ou isentar impostos que incidem em notas fiscais de "Desenvolvimento de Software Customizável ou Não Customizavel", que ultrapassam 16% na soma dos tributos (Isso porque não incide ICMS!), e é o tipo de nota que muitos estúdios emitem no dia-a-dia.
  • Retirar jogos do Anexo V do Simples Federal e colocar em uma categoria mais amena, como o Anexo III (Caso a isenção não se aplique a isso).
  • Criar MEI (Micro Empresa Individual) para desenvolvedores de jogos.
  • Incentivos fiscais para contratação e retenção de talentos, como fazem no Canadá, Irlanda e outros países fortes em desenvolvimento de jogos eletrônicos.
  • Acordos para eliminar bi-tributação com outros países, especialmente EUA, de onde vêm muitas das receitas de vendas nas lojas online como Steam, Microsoft Store, Playstation Store, Apple App Store.
  • Políticas de incentivo ao desenvolvimento de capital intelectual e economia criativa.
  • Mais Editais de desenvolvimento de produtos – para os quais os papéis da Ancine, recentemente ameaçada pelo Governo Federal, e do Fundo do Audiovisual são  fundamentais.
  • Criação de pólos de desenvolvimento com auxílio governamental.
  • Incentivos fiscais na aquisição de equipamentos e softwares de desenvolvimento.
  • Acesso a créditos empresariais sem garantias com taxas de juros amigáveis
  • Subsídios e Benefícios específicos para exportação, já que desenvolvimento de games é uma área inerentemente exportadora.
  • Investimento em educação e profissionalização do setor com cursos de alto nível em instituições públicas.

Em 2017, desenvovlimento de games gerou mais de R$ 10 bilhões ao PIB do Canadá. Fonte: ESA

Então, sim, é bacana diminuir o preço dos consoles, acessórios e jogos produzidos aqui, é um movimento muito positivo e na direção certa para a nossa indústria. Só que ,sozinha, esta proposta não está mirando no lugar certo para ajudar os estúdios: se queremos incentivar a nossa indústria de verdade e aumentar a arrecadação do governo significativamente, pensando em exportação e outras fontes, não basta uma medida paliativa apenas para baixar o preço do PlayStation 4. É preciso criar uma política pública estruturada para o setor.

Sobre o Autor

Paulão é criador e desenvolvedor de games. Fundou e dirige, desde 2012, a Flux Games, estúdio que já trabalhou em diversos jogos - uns mais anônimos, outros mais populares. Como jogador, passou por todas as gerações de consoles, tem um carinho especial por jogos que inventem qualquer coisa inovadora e só precisa de um copo (ou vinte) no boteco para aceitar um debate sem fim sobre os melhores e piores games da história.

Sobre o Blog

Criar jogos é como ser aquele mágico de rua: fazemos o jogador olhar para uma mão, enquanto desenrolamos uma gambiarra maluca aqui na outra - escondendo o trabalho sujo que faz o game rodar e ser divertido. O Blog do Paulão vai abordar segredos e técnicas que a disciplina de desenvolvimento de games utiliza para realizar essas mágicas e deixar os games mais difíceis, assustadores, inesquecíveis, engraçados...