Justiça com o próprio game: como os estúdios ajustam a dificuldade
Vira e mexe um game difícil como Sekiro chega para levantar de novo a velha polêmica da dificuldade dos games. "Os jogos de hoje são muito fáceis", dizem uns. "Jogos difíceis deviam ser enterrados no Nintendinho", dizem outros. Para que você entenda um pouco melhor como os desenvolvedores lidam com essa questão, fui conversar com alguns dos principais Game Designers do Brasil para fazer a mesma pergunta: como você balanceia a dificuldade do seu jogo para ela ficar ideal?
A resposta começa por entender o que representa o desafio de um game nos dias de hoje. "Conflito é parte fundamental do que eu entendo como 'jogos clássicos', mas a ideia do que é dificuldade e a expectativa que as pessoas têm de videogames modernos nesse quesito é muito diversa, muito marcada por cultura, gênero do jogo etc.", conta Mark Venturelli, da Rogue Snail, um dos melhores e mais bem sucedidos Game Designers do Brasil, com jogos como "Relic Hunters Legends", "Chroma Squad" e "Dungeonland" no currículo.
"A minha abordagem tem sido de oferecer muitas opções para o jogador, momento-a-momento. Tento fazer com que o jogador decida o quanto quer se desafiar naquela sessão de jogo, então preciso oferecer uma variedade de atividades e objetivos – essa é a minha lente de 'diversidade de desafio"', observa.
Público-Alvo
Ou seja, depende muito de para quem o jogo é feito. Eu mesmo já participei da criação de jogos muito diferentes ao longo de minha carreira na Flux Games, e para cada um, é necessário fazer o exercício de definir: "Quem é meu público-alvo?". A pergunta pode parecer vinda dos melhores livros de marketing, mas faz toda a diferença na hora de projetar um game. Não é à toa que você morre mais vezes nos primeiros 15 minutos de "Dark Souls" do que em 10 horas de "Super Mario Odissey".
Mas como assegurar que o game esteja adequado para o desafio que agrade seu público-alvo? "Uma vez que o game feel (sensação de jogo) esteja como eu quero, eu começo a afunilar quais são as variáveis mais comuns entre as partes que quero balancear. Quanto menos variáveis melhor, pois significa que é possível ter um controle maior das mudanças no balanceamento", explica Luis Gustavo Sampaio, Game Designer da Mad Mimic, criadora dos games "No Heroes Here", "Mônica e a Guarda dos Coelhos" e o vindouro "Dandy Ace".
Como ter dificuldade justa?
"Eu crio relações qualitativas e comparativas entre os parâmetros. Por exemplo: se o dano de uma habilidade é alto, tentarei aumentar o seu cooldown ou casting time para se equivaler a outra, mas sempre priorizando o game feel", detalha Luis Gustavo.
Mais um exemplo prático: "Suponha que eu quero que, em uma dada situação, o jogador tenha que jogar muito bem para conseguir passar. Eu então tento pensar quais são os recursos do jogador (vida, consumíveis, mana, etc) e como esses recursos ficarão após este evento. Se é para ser muito difícil, um jogador que cometer erros deverá ficar com metade da vida", completa Luis Gustavo. Usando este método, ele passa a determinar objetivos macro para partes da experiência, e mexe no level design, nos inimigos, nos recursos disponíveis para alcançar o resultado esperado.
Hora de testar!
Um jogo tem muitos momentos em sua jornada de desenvolvimento, e na maior parte deles a dificuldade está desequilibrada: ou muito fácil, ou muito difícil. Vá por mim: é quase impossível um jogo nascer com o desafio adequado logo na primeira tentativa. E a chave para acertar os ponteiros é fazer testes, especialmente com jogadores finais que representam o público-alvo do game.
"Eu tento sempre assistir a pessoas jogando, especialmente pessoas que nunca jogaram o jogo e que tem o nível de habilidade que eu estou pensando como público alvo", conta Thaís Weiller, Game Designer da JoyMasher e vizinha de blog aqui no START, que lançou o excelente "Blazing Chrome" e já desenvolveu os jogos "Oniken" e "Odallus", todos de dificuldade nível Nintendinho.
Mas não adianta ficar dando pitaco e falando na orelha do jogador faz isso ou pega aquilo. "Enquanto vejo jogar, tento não interagir em nada e nem dar dicas ou coisas do gênero – a não ser que realmente esteja faltando algo que já está planejado", complementa Thaís. "Ver como a pessoa joga, o tempo que ela demora para entender alguma coisa, a dificuldade que ela tem em cada parte é minha principal métrica de se o level design está próximo do que eu gostaria que fosse".
Aprender, Praticar, Provar
Conforme o jogador entende uma parte ou uma mecânica do jogo, ele evolui no que Venturelli, da Rogue Snail, chama de Jornada do Jogador. "Eu tento criar na minha cabeça uma sequência de coisas que eu quero que o jogador aprenda, desde o momento em que ele vê o jogo pela primeira vez até ele estar pronto para completar os desafios finais que eu criei", observa.
Sekiro, game cuja dificuldade incomodou parcela de jogadores
Então, balancear a dificuldade significa lidar com as etapas que compõem cada elemento dessa Jornada: "É importante para cada coisa que eu quero 'ensinar' existam três 'tempos': um tempo para aprender, um tempo para praticar, e um tempo para colocar o seu aprendizado e prática à prova. Pra mim, essa jornada é o coração do design. Um jogo que não tem mais nada a ensinar para o jogador, na minha concepção, está concluído."
Pode reparar no próximo game que você jogar como este ciclo de Aprender, normalmente em um ambiente seguro, Praticar, em ambientes com dificuldade progressiva, e Provar, em um desafio alto que leva sua habilidade com aquela mecânica no limite, é algo super comum em muitos dos jogos – seja no "Sekiro", seja no "Zelda", mesmo que em níveis de exigência diferentes. E cada um tem o seu próprio charme.
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