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Game Magic: como o roguelite "Moonlighter" te ensina Capitalismo

Paulão

09/07/2019 08h00

Quando um game ensina coisas ao jogador sem que ele perceba, eu considero um exemplo perfeito de relação ganha-ganha – para usar um dos termos clichê do mundo dos negócios, mas que de fato tem muitas aplicações. Na coluna Game Magic de hoje, vamos analisar como o game "Moonlighter" ensina princípios básicos do Capitlismo de consumo ao seu jogador em uma jornada divertida e recompensadora.

O game, criado pela Digital Sun e publicado pela polonesa 11 Bit Studios ("This War of Mine", "Frostpunk"), tem um loop de jogo básico que funciona assim:

  1. Visite dungeons (Procedurais), mate monstros e colete itens 
  2. Fuja vivo da dungeon e traga tudo de volta em sua mochila e bolsos
  3. Coloque os novos itens à venda em sua lojinha chamada Moonlighter
  4. Atenda aos fregueses e venda seus produtos
  5. Repita desde o item 1

Parece simples, certo? E é mesmo – por isso o game é tão bom (e o gameplay de combate é super gostoso também, então joga lá)! Mas vamos verificar que conceitos estão por trás da Inteligência Artificial e mecânicas do game?

1- Oferta e Demanda

A mecânica básica de comércio do jogo é um dos pilares do Capitalismo: quanto maior a demanda, mais alto pode ser o preço do item. Se a oferta é excessiva e não tem muita gente que o queira, o preço deve cair. Então se você vendeu uma porrada de Núcleos de Golem hoje, amanhã a economia estará saturada disso, e os consumidores não vão se interessar pelo produto, ou vão querer pagar só se for em promoção. Melhor focar sua aventura de hoje em outros itens!

Escolha cuidadosamente o que colocar nas suas prateleiras para aumentar os resultados

2 – Inovação como drive de crescimento

Muito se ouve falar como inovação é uma catapulta de crescimento. Pense na revolução causada por apps como Uber, 99 e Cabify, que mudaram o jeito como a sociedade se locomove. Bem, em "Moonlighter" é preciso inovar também. Buscar novos itens em novas dungeons atrai novos clientes e permite que a sua loja prospere em uma economia mais saudável.

O combate em moonlighter é simples e divertido, lembrando o clássico Zelda: A Link to the Past, de Super Nintendo

3 – Experiência do Consumidor

A palavra "experiência" já está na moda do mundo dos negócios e tecnologia há uns bons anos – é preciso pensar na experiência do usuário! Pois bem, "Moonlighter" trabalha isso de forma simplificada e sutil: através de decorações na loja, o game gera perks, ou seja, efeitos específicos, que afetam os consumidores. Coloque um vaso bonito e os consumidores se sentirão inspirados a gastar mais. Coloque uma fonte de lava para inibir os ladrõezinhos de aparecer. Tenha mais espaço, e mais clientes se acomodarão na loja. É claro que na vida real não é tão simples, mas o conceito está perfeito.

Modifique a experiência dos consumidores decorando a loja com itens que trazem perks

4 – Tipos de Consumidor

Em "Moonlighter" existe uma variedade de consumidores que se comportam de modo diferente. Por exemplo, há consumidores ricaços cheios da grana, que sempre compram coisas caras e não se importam muito com o valor. Outros são mais aventureiros, então buscam itens relacionados a combate (mas também levam outros). E há pedidos especiais, diretos, que pagam melhor por uma entrega personalizada. E assim por diante. Como na vida real, vale a regra de ouro: saiba para quem você está vendendo.

Clientes fazem pedidos específicos e cabe a você decidir se eles pagam o suficiente para atendê-los

5 – Preço, um dos Ps de Marketing

Precificar coisas é um desafio, especialmente quando é algo novo para o qual não há base de comparação. Não à toa, é um dos quatro "Ps" do Mix de Marketing criado por Jerome McCarthy e amplamente difundido no mundo (os outros são Produto, Praça e Promoção). Em "Moonlighter", quando você adquire um item novo, tem que colocar um preço nele sem saber o real valor percebido. O caderninho de anotações dá uma ajuda, mas cabe a você arriscar um primeiro preço. E se você colocou um preço muito baixo, os consumidores reagem à pechincha efusivamente, limpando o item da prateleira – e não dá para mudar o preço depois que a pessoa já pegou. Você vai ter que vender barato e consertar na próxima.

Da esquerda para a direita: Uma pechincha (você perdeu dinheiro); Preço justo; Meio caro mas comprei mesmo assim; muito caro, nada feito.

6 – Gestão de Conhecimento

Todas as reações de consumidores aos preços utilizados ficam registradas no caderninho de Will, protagonista do game, assim como anotações sobre a demanda — se está baixa ou alta para aquele item. Esse conteúdo é uma mina de ouro para o empreendimento, pois você consulta a entrada toda vez que vai colocar o item à venda, ajustando o preço de acordo. A manutenção do conhecimento é um dos maiores desafios de empresas (incluo aqui a minha!) pois repetir erros por não ter o conteúdo e aprendizados registrados em algum lugar é algo tão comum quanto irritante na vida real!

Controle de informações é feito pelo caderninho. Crédito: Divulgação

7 – Exército de um homem só

Você controla Will, e cuida da loja sozinho durante uma boa parte do jogo. Coloca itens, muda preços, repõe quando a prateleira fica vazia, opera o caixa para fechar a venda e, claro, dá porrada nos ladrões que pegam produtos e correm para a porta sem pagar. É tudo bastante simples, mas uma boa representação da vida de um empreendedor real, que coloca múltiplos chapéus para tocar seu negócio, especialmente no começo. Depois, dá para contratar ajuda.

8 – Sem descanso

Se você precisa de bastante dinheiro, tem que trabalhar todos os dias – e em jornada dupla. De dia cuida da loja, de noite busca os produtos. Para ter uma noite de sono, você abre mão de visitar a dungeon à noite – quando as recompensas são melhores. E se um dia você não abrir a loja, não fatura – simples assim. Mais uma boa representação do mundo moderno e da tendência de economia informal.

9 – Herança & Meritocracia

Você começa o jogo já dono da loja. Ela é uma herança da sua família. Pode não ser nada central no gameplay, mas vale o registro que isso ajuda a quebrar o mito da meritocracia e do self-made-man, já que a vida é beeeeem mais fácil se você nasce herdeiro.

Will herda a loja – o caminho é mais fácil se você já nasce patrão

10 – Mais, mais, mais!

Um dos traços do capitalismo de consumo é a necessidade (ou sensação de necessidade) de se consumir mais e mais. Em "Moonlighter", é bem assim: conforme você progride e sua loja vai se tornando uma megastore, mais e mais consumidores entram e compram mais produtos, diminuindo o tempo na gôndola e aumentando a rotatividade e, claro, o faturamento. 

Claro, aí o jogo e a vida real diferem: na vida real, temos crises econômicas, queda de demanda generalizada e outros problemas que levam à recessão. "Moonlighter" não é um simulador – e, ainda bem, nem pretende ser – então estes problemas não ocorrem e a prosperidade é garantida para que o jogador se divirta.

"Moonlighter" está disponível para assinantes do Xbox Game Pass no Xbox One, e também pode ser jogado nas plataformas Nintendo Switch, PlayStation 4, Xbox One, Microsoft Windows, Linux, Mac OS Classic.

Curtiu esse texto? Maravilha! Siga o  Blog do Paulão para saber mais sobre os bastidores do desenvolvimento de games, os segredos desta indústria complexa e encantadora, os detalhes dos games e das suas mecânicas, as mágicas por trás do que vemos na tela quando jogamos, o progresso da cena de desenvolvimento de games no Brasil e tudo mais que disser respeito à indústria de games sob o ponto de vista do desenvolvedor.

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Sobre o Autor

Paulão é criador e desenvolvedor de games. Fundou e dirige, desde 2012, a Flux Games, estúdio que já trabalhou em diversos jogos - uns mais anônimos, outros mais populares. Como jogador, passou por todas as gerações de consoles, tem um carinho especial por jogos que inventem qualquer coisa inovadora e só precisa de um copo (ou vinte) no boteco para aceitar um debate sem fim sobre os melhores e piores games da história.

Sobre o Blog

Criar jogos é como ser aquele mágico de rua: fazemos o jogador olhar para uma mão, enquanto desenrolamos uma gambiarra maluca aqui na outra - escondendo o trabalho sujo que faz o game rodar e ser divertido. O Blog do Paulão vai abordar segredos e técnicas que a disciplina de desenvolvimento de games utiliza para realizar essas mágicas e deixar os games mais difíceis, assustadores, inesquecíveis, engraçados...


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